Talvez o brasileiro não precise ser apenas estudado, mas compreendido
Ontem algo saiu do meu controle: um post sobre tudo o que viemos conversando saiu da nossa bolha e temos novos leitores entusiastas por Brasis protagonistas, como eu e você por aqui.
Pra quem chegou recente, vou me apresentar em um tweet, tudo bem?
Me chamo Suellen, mas no CNPJ é Sue Coutinho. Viajo pelo Brasil e outros países da América do Sul desde 2018, coleciono artesanato popular brasileiro e atuo criando estratégias de impacto no presente para a construção de futuros coletivos considerando cosmovisões brasileiras.
Fico feliz que você está por aqui, mais ainda por acompanhar tanta gente legal pensando a mesma coisa: precisamos ampliar nossas referências. E, em nenhum outro momento, foi tão importante que a gente voltasse nosso olhar para dentro de casa. Ainda estou longe do meu objetivo enquanto parte de um coletivo, mas demos um grande passo, eu espero. Agora você sabe que tem muita gente esperando para se ver representada.
Podemos avançar daqui?
O Brasil existe. É multicultural e praticamente impossível de ser lido e interpretado de forma única. Somos muitos mesmo. E múltiplos, não vou nem entrar em questões da subjetividade.
Mas a questão é que, ano após ano, as organizações precisam se atualizar sobre o que está mudando na cultura e como a cultura está mudando a relação das pessoas com esses negócios. E, apesar de ser quase impossível fazer esse trabalho, alguns profissionais tão corajosos quanto talentosos se metem nessa empreitada de estudar os brasileiros.
Tem uns dias que eu tô de olho numa iniciativa muito legal. O Movimento Bora Sonhar, criado por Camila Holpert , Jules de Faria e Nayara Ruiz (ela/dela) 🏳️🌈 . Como parte do movimento, nasceu o estudo "Os sonhos do Brasil", que analisou 104.081 textos entre 2022 e 2024 e identificou um padrão inquestionável: o bem-estar emocional afeta a relação com os sonhos. Alguns dos principais achados da pesquisa mostram que "sonhar deixou de ser apenas um desejo de futuro e passou a ser um desafio presente e que muitos brasileiros sentem que não têm condições emocionais para sequer imaginar um futuro melhor".
Fiquei matutando numa coisa. Diversas vezes a gente afirma que o brasileiro precisa ser estudado quando fazemos algo genuinamente... Genial?! Sendo assim, acho que a gente ainda vai precisar muito ser estudado, mas precisamos urgentemente começar a ser compreendidos.
E tem diferença? Pois tem sim! E está justamente na profundidade da relação com o objeto de análise.
— Estudar é um processo analítico, baseado na observação, coleta de dados, classificação e interpretação de informações. Envolve métodos sistemáticos, teorias e estruturas formais que ajudam a mapear padrões e explicar fenômenos. No entanto, estudar pode ser um processo distante, que olha para um tema de fora, sem necessariamente vivenciá-lo.
— Compreender vai além do estudo. Implica uma conexão mais profunda, que leva em conta não apenas os dados, mas também as subjetividades, os afetos e os contextos que dão sentido ao que está sendo analisado. Compreender exige empatia, escuta e disposição para enxergar as nuances que não aparecem nas estatísticas.
Eu vi a Camila Holpert falando isso aqui que achei demais:
"Sonhar é mais do que imaginar futuros – é um ato de esperança, um reflexo do que acreditamos ser possível. Mas, em um país onde tantas vezes a dor se transforma em estatística, os sonhos parecem encontrar cada vez menos espaço. Tenho escutado muito a frase: " já nem sei mais qual é o meu sonho." Até mesmo a saúde mental, que deveria ser um ponto de partida, tem se tornado um objetivo distante."
Fiquei feliz e ao mesmo tempo preocupada. A gente meio que sabe, né? De cor, lembro de muitas conversas onde o sentimento é o mesmo: um país que desafia seus próprios habitantes a sonharem. O brasileiro, antes de tudo, resiste — e, em muitos casos, a resiliência se confunde com a necessidade de seguir em frente sem tempo para imaginar outras possibilidades.
Mas se sonhar se tornou um desafio presente, então compreender o brasileiro vai muito além de estudá-lo à distância. Envolve escuta ativa, presença e um compromisso real de ir além das análises e das generalizações convenientes. Não basta mapear tendências ou coletar dados sobre comportamentos de consumo. É preciso entender os afetos, as dores e os desejos que moldam a forma como cada pessoa se relaciona com o mundo, com o mercado, com a cultura.
O desafio está colocado: em vez de apenas observar o brasileiro como um caso a ser decifrado, que tal começar a enxergá-lo em sua complexidade? Vou deixar o link aqui pra quem já conhece o estudo ver de novo e pra quem não conhece passar a conhecer. Além de insights importantes para nos ajudar a entender o que está se passando nos sonhos dos brasileiros, ele direciona para ações práticas.