Brasil e a fabulação do (im)possível: Quem tem medo do realismo mágico?
Não consigo deixar as fábulas na infância, porque foi através delas que mais tarde despertei o gosto pelo realismo mágico. Criei bem cedo na vida esse lugar imaginário, onde a realidade é mágica, alegórica, expansivo-intimista. Se não fosse o realismo mágico, eu até estaria aqui em carne e osso, mas talvez em outro lugar da vida e do trabalho. Denuncio as tragédias, alumio o caminho para que pessoas, comunidades e marcas possam habitar o presente e criar o amanhã. Daí, protopia.
A criação de tal fantasia é simbiose entre o cotidiano, o mágico e o sobrenatural. Foi na América Latina que o realismo mágico fez seu contorno ainda no século XIX e continua até hoje a denunciar as mazelas do autoritarismo e os regimes ditatoriais. Você ouve "realismo mágico" e logo lembra de Gabriel García Márquez e Cem Anos de Solidão, mas eu vou te dar uma lembrança ainda mais local e recente: Bacurau é uma obra de realismo mágico.
O que me encanta nessa forma de criar — e narrar — é que o realismo mágico não é um escapismo diante a tragédia. É uma tecnologia social. Uma estratégia poética de denúncia. A mágica é o código para não passar despercebido a barbárie — e, quem sabe, transformar o mundo a partir dela.
O realismo mágico nos convida a considerar que aquilo que parece invisível — afetos, medos, intuições, crenças — também é dado. E mais: que muitas vezes é mais verdadeiro do que a própria “verdade”. Estratégias de impacto e narrativas, quando inspiradas por essa lente, ganham potência ao incorporar a complexidade da experiência humana. Não se trata apenas de comunicar iniciativas ou métricas, mas de gerar sentido, criar mundos possíveis, acessar camadas simbólicas que ativam desejo, pertencimento e ação.
Além disso, o realismo mágico propõe que o extraordinário já está no cotidiano. Ao aplicar esse olhar em estratégias de negócio ou impacto, abrimos espaço para narrativas que não só denunciam injustiças, mas também anunciam outros caminhos. E se a comunicação é uma tecnologia de mundo, o realismo mágico pode ser seu feitiço mais potente.
A gente precisa começar a desobedecer as lógicas racionais que tentam organizar o mundo em caixinhas, gráficos e previsões. Bagunçar a ordem colonial, corporativa e patriarcal ao afirmar que o impossível é, sim, possível — e muitas vezes, já está acontecendo nas margens.
Fabular o (im)possível é insistir que o Brasil, com toda sua complexidade, é o grande gestor da inovação que precisa, porque é fantástico no seu modo de pensar, criar e regenerar por si só.