Brasil de fronteiras: quem são os outros que não queremos entender?
Pousei em Buenos Aires pela segunda vez em menos de 5 anos no último domingo, às 9:30 da manhã. Mas, pela primeira vez em muito tempo, levantei a escotilha pra namorar a capital argentina de cima. Acontece que a província e a capital são tão arborizadas que até a pessoa que mais teme um avião (eu) não consegue resistir à vista.
Minha amiga brasileira estava me esperando no aeroporto e aproveitamos minha ponte aérea pra conhecer Huedo e os arredores de Buenos Aires. Na madrugada do dia seguinte, embarquei para o Ushuaia, na Terra do Fogo. Eu tenho viajado pelo nosso país e por outros países na América do Sul há mais ou menos 7 anos. Além de ser uma experiência pessoal incrível, foi através dessa capacidade de viver em diferentes momentos da vida em lugares tão culturalmente diversos que a primeira cortina da minha visão foi levantada: olhar para o território das fronteiras não é só impossível, como também contraditório.
O que chamamos de "Brasil" – essa unidade territorial com limites bem definidos – é, na verdade, uma combinação histórica de influências multiculturais. E é exatamente nas fronteiras que essa mistura se revela mais viva. Bagé, no Rio Grande do Sul, não é só Brasil; é também Uruguai. Oiapoque, no Amapá, carrega traços da Guiana Francesa. E as comunidades na tríplice fronteira entre o Amazonas, Colômbia e Venezuela são exemplos de como identidades se misturam, se sobrepõem e se transformam.
Numa busca por compreender como os enlaces culturais acontecem nos dias de hoje, me deparei com o trabalho do antropólogo argentino Néstor García Canclini, que estudou a fundo essa tal de “hibridação cultural” e diversos fenômenos emergentes na América Latina, analisando como as culturas se entrelaçam em contextos urbanos e fronteiriços, tornando assim a identidade contemporânea algo "poliglota, multiétnica, migrante, feita com elementos cruzados de diversas culturas."
"Se alguém quiser entender o que está acontecendo no Ocidente, é preciso levar em conta o que está acontecendo no que parecia ser o outro; O Extremo Oriente não está mais longe." — Néstor García Canclini
Mas há um problema em apenas olhar o Brasil das fronteiras para dentro. A gente perde a capacidade de enxergar valor nas relações fronteiriças e nas trocas culturais que surgem a partir delas. Imagina se a gente não tivesse aprendido a tomar tereré com os paraguaios? Muita coisa da música paraense também passa pela influência dos vizinhos... E o que dizer do "sul do Sul" do Brasil? Essas são algumas das influências culturais dos outros; outros, que muitas vezes deixamos de entender.
Essa mesma visão centralista que toma São Paulo e Rio de Janeiro como referência acaba ignorando o que há de mais genuíno e dinâmico na cultura nacional. É essa lógica que ainda vê o Norte e o Nordeste como periferias e o Sul como "europeu". É essa lógica que finge que o Brasil tem uma identidade única e homogênea, quando, na verdade, é uma variedade sem precedentes de cosmovisões que atravessam as linhas imaginárias dos mapas.
Para nós, profissionais de pesquisa e estratégia, para marcas e negócios consultivos é importante expandir horizontes e reconhecer o valor da diversidade que já está à nossa volta, valorizando as trocas culturais, entendendo as diferentes histórias que compõem nosso território.