O que significa ter "saúde" para o brasileiro em 2025?
Com as redes sociais, não ficou difícil perceber, cada vez mais, como o debate sobre saúde no Brasil está atravessado por um certo caráter performático. Vivemos tempos em que “ter saúde” deixou de ser apenas um estado físico para se tornar também um ativo social, uma estética, uma narrativa.
Saúde, hoje, não é mais só sobre o que você sente — é também sobre o que você comunica, o que você consome, o que você representa. Mas essa performance, que parece libertadora, também pode aprisionar: o excesso de normatividade do bem estar, o culto à rotina saudável como obrigação e a despolitização dos determinantes sociais da saúde.
Quando olhamos para frente, precisamos entender saúde não apenas como uma responsabilidade individual, mas como um projeto coletivo, ecológico e político. Mais do que nunca, o futuro da saúde é um espelho das escolhas que fazemos como sociedade. E talvez o maior desafio seja esse: deixar de ver saúde como um lifestyle e passar a vê-la como um direito — e um compromisso — partilhado.
O que já foi ser saudável para o brasileiro
Durante muito tempo, ser saudável no Brasil era quase sinônimo de estar apto pra trabalhar. Saúde se media no corpo que aguentava: levantar cedo, enfrentar ônibus lotado, dar conta da lida e voltar pra casa inteiro. A ausência de doença era importante, sim, mas o foco mesmo era conseguir seguir funcionando, mesmo diante da precariedade.
Nos anos 2000, o país ainda enfrentava altos índices de pobreza e desigualdade. Faltava saneamento, o acesso à saúde pública era limitado — especialmente fora dos grandes centros — e as doenças infecciosas ainda faziam parte da realidade de muitas famílias. Quando em 2005, por exemplo, milhões viviam em situação de vulnerabilidade, o país começava a bater recorde na geração de empregos formais. O corpo saudável, então, virava símbolo de sobrevivência, produtividade e força.
Ser saudável, naquela época, era ter disposição pra seguir, mesmo quando o sistema não ajudava. Era não "dar trabalho", não faltar, não parar. Um corpo forte não era só desejável — era necessário. Um corpo saudável era visto, reconhecido, validado. A saúde era um indício visível: se a aparência tá boa, se aguenta a rotina, então tá tudo certo.
Signo indicial: saúde como indício — você vê o corpo forte e logo entende: ali está alguém saudável.
Denotação: corpo forte, sem sinais de doença.
Conotação: sobrevivência, força de trabalho, resistência.
O que é ser saudável hoje
O presente é plural e, muitas vezes, contraditório. De um lado, o conceito ampliou, acompanhando a definição da OMS: saúde como bem-estar físico, mental e social. De outro, observamos a ascensão do “bem-estar performático” — uma necessidade de demonstrar, nas redes e nos estilos de vida, a adesão a uma rotina saudável.
A saúde mental finalmente entrou no radar, especialmente entre jovens e mulheres, saúde é cada vez mais sinônimo de equilíbrio emocional. Diversos comportamentos relacionados a cuidado com a saúde e bem-estar foram acelerados pela pandemia da Covid-19, com mais pessoas olhando olhando para cuidados preventivos, o processo de buscar uma vida saudável se tornou um discurso popular e aspiracional, mas nos últimos dois anos tem ganhado novos contos e se tornado menos acessível a todos.
Segundo a pesquisa Health & Wellness, realizada pela dsm-firmenich em 11 países latino-americanos, publicada em 2023, a pandemia da Covid-19 marcou profundamente os hábitos de autocuidado:
54% dos brasileiros passaram a se preocupar mais com a saúde mental;
46% se tornaram mais atentos à alimentação;
e 38% intensificaram práticas de autocuidado e prevenção.
Ao mesmo tempo, o discurso sobre vida saudável se popularizou e virou um novo tipo de capital simbólico — o “estar saudável” como projeto de identidade. Mas esse ideal vem ganhando contornos mais elitizados: tornou-se também um símbolo de acesso, tempo livre, renda e informação.
Entre o post sobre yoga ao nascer do sol e o suplemento da moda, a verdade é que o acesso à saúde ainda é desigual. O SUS continua sendo o principal meio de acesso para 70% da população brasileira, e mesmo com avanços na consciência coletiva, o cuidado ainda não é plenamente acessível a todos.
Signo icônico e simbólico: práticas e imagens que evocam o ser saudável — alimentação natural, exercícios, meditação — viram ícones que sinalizam pertencimento a determinados grupos.
Denotação: praticar esportes, cuidar da alimentação, falar de saúde mental.
Conotação: autocuidado, felicidade, integração social, sucesso.
O que pode vir a significar ser saudável
O futuro não é um lugar distante — ele já vem dando sinais, e o conceito de saúde tende a se desdobrar ainda mais, ganhando contornos híbridos entre agendas coletivas, tecnologia e novas demandas do viver contemporâneo.
Longevidade ativa deve se tornar central. Com o envelhecimento acelerado da população brasileira, ser saudável será menos sobre não adoecer e mais sobre manter autonomia, mobilidade e qualidade de vida. O corpo saudável do futuro não será o jovem, mas o corpo que vive bem — com suporte, dignidade e tempo.
A saúde digital promete um autocuidado mais hiperconectado e “inteligente”: apps de monitoramento, dispositivos vestíveis, inteligência artificial na triagem de sintomas. Mas com isso vem a datificação do bem-estar: métricas substituindo sensações, dashboards guiando rotinas. A pergunta que fica é: até onde os algoritmos conseguem ler o que só o corpo sente?
Sustentabilidade e coletividade também se tornam parte do código. Cada vez mais, a saúde do indivíduo será entendida como extensão da saúde do planeta e da comunidade. Quem respira o ar contaminado, bebe da água poluída ou tem seu território expropriado adoece. Não haverá saúde individual possível sem justiça ambiental, sem comida de verdade, sem cidades mais cuidadoras.
Relacionamentos e amizades ganham um novo lugar no centro da conversa sobre saúde. O isolamento — antes visto como problema individual — passou a ser entendido como fator de risco coletivo. Cuidar da saúde emocional passa a significar, também, cuidar dos vínculos. Manter conversas, rir com os amigos, contar com alguém: essas práticas afetivas passam a ser reconhecidas como tão importantes quanto se alimentar bem ou dormir direito. O bem-estar se torna relacional.
Por fim, emerge com força a ideia de saúde como jornada — um caminho possível, não um ideal normativo. Menos sobre atingir a “versão perfeita” de si, e mais sobre aceitar imperfeições, cuidar das emoções, respeitar os próprios limites. Aqui, o corpo saudável já não é o mais forte, o mais jovem, o mais treinado: é o corpo possível. O corpo que vive, sente, compartilha, descansa.
Signo simbólico e intertextual: a saúde deixa de ser um estado fixo e se transforma em narrativa — uma história coletiva, plural, que conversa com pautas de inclusão, justiça social, sustentabilidade e direitos humanos.
Denotação: envelhecimento com autonomia, uso de apps de saúde, práticas de cuidado com o meio ambiente, vínculos afetivos e convivência social.
Conotação: pertencimento, responsabilidade coletiva, cuidado como prática política, valorização das diferenças e da diversidade de jornadas.